quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Feliz Ano Novo!

Por Mary Azambuja


“O amor é um grande laço, um passo para uma armadilha” de Djavan.

 Foi na virada de ano para 1949. Hiroko Arikawa estava com o marido e seus dois filhos hospedados em duas suítes, uma para o casal e uma suíte conjugada para seus filhos, no Hotel Atlântico, em pleno Gonzaga. Estavam  no 5º andar do hotel, bem em frente à praia. Ele era banqueiro, segundo marido de Hiroko e pai apenas do seu caçula de sete anos. Ele também veio ao Brasil para fugir da miséria de seu país. Ela perdeu o 1º marido ainda no Japão, no inicio da 2ª guerra durante a invasão japonesa na China. Em 1939 veio, com a filha pequena, clandestinamente para o Brasil. Conheceu Arikawa ainda na embarcação e ele disse que a protegeria de tudo. Casaram-se assim que desembarcaram no porto de Santos. Ele foi muito bom para ela. E ela passou a se chamar Hiroko Arikawa, assumindo o nome dele para si e sua filha. Anos mais tarde nasceu seu menino e o casal não podia estar mais feliz. Fariam 10 anos de casados e queriam passar a virada de ano em Santos, onde tudo começou para eles, uma vida nova num país novo. Arikawa prosperou rápido e eles eram o verdadeiro retrato de uma família rica e feliz.
Escolheram o Hotel Atlântico para verem os fogos de perto, pelas comodidades oferecidas e pelo cassino que Arikawa adorava freqüentar. Hiroko era completamente apaixonada e devotada ao seu marido, tanto que às vezes até descuidava de seus próprios filhos por ele, deixando-os sempre aos cuidados da babá. Adorava ver-se bela e perfumada para ele. Era uma mulher de 35 anos, magra e muito elegante. Tinha um olhar sedutor, olhos negros ressaltados pela maquiagem, lábios vermelhos, e seus cabelos, também negros como a noite, estavam sempre impecáveis, sem um fio fora do lugar. Um perfume inebriante e a langerie rendada, colar de pérolas e anéis, uma pulseira ornamentada e um broche de pedras preso na lapela de sua blusa branca faziam o conjunto com a saia longa, também branca e o sapato de boneca, cor de marfim, completando assim, o quadro da mulher perfeita naquela noite.
A babá arrumara seus filhos esmeradamente como de costume. O pequeno foi posto para dormir logo após a janta e a menina Sayuri, de 12 anos, estava toda de branco como a mãe, esperançosa de ver os fogos, ainda que da janela de seu quarto.
            Hiroko estivera em seu quarto se arrumando e nem percebera a ausência do marido. Estava quase na hora dos fogos e como de costume para toda boa mãe, foi dar um beijo de boa noite para seus filhos no quarto ao lado, antes de sair para comemorar o novo ano com o marido. Qual não foi sua surpresa e mortificação ao ver seu marido, amor de sua vida, beijando o pescoço de sua filha, que estava sentada no colo dele. O horror ao perceber que Sayuri estava com seus longos, lisos e negros cabelos jogados de lado, como que ofereçendo-se ao padrasto. Os olhos da menina semicerrados de obscuro prazer pelo toque nada inocente de Arikawa nas pernas da garota, subindo por debaixo da saia dela, deixaram Hiroko num misto de excitação, repulsa e ódio pelos dois.
            Tomada de fúria, ela sai do quarto sem ao menos ter sido percebida pelos dois. Era uma mulher passional, apaixonada, e ser traída com sua própria filha de 12 anos foi demais para ela. Num ímpeto de ciúmes cego, pegou a arma que seu marido guardava no cofre do quarto e entrou novamente no quarto dos filhos. O marido beijava Sayuri nos lábios e a menina estava completamente entregue nos braços dele. Ao ouvir o bater da porta abrindo-se com violência, o casal se separa assustados.
- Como você ousa tocar minha filha, seu miserável – gritou Hiroko ao marido. – Logo ela, que você assumiu como sua própria filha. E você, Sayuri, como pôde permitir-se tocar dessa forma tão devassa. Você não passa de uma meretriz.
- Não é nada disso, mamãe. – Suplicou Sayuri – Por favor, eu o amo, eu não sei mais o que pensar... Eu o amo demais... Me perdoe... Por favor, me perdoe... – E desatou a chorar copiosamente.
- Hiroko, acalme-se. Largue a arma, por favor. Ela é sua filha.
Essas palavras apenas atiçaram mais ainda o ódio dentro dela. Sim, era sua filha, mas também era uma traidora, e ele mais ainda, ele merecia morrer por ter tocado sua filha, por tê-la traído duplamente. Ele merecia morrer sim. E sem pensar novamente, ela atira no peito dele. De olhos cegos pelas lágrimas de ódio, não percebe o movimento rápido de Sayuri, que se joga frente à arma para proteger seu amado. Neste momento irrompem-se lá fora os fogos de Ano Novo, já é 1949.
Hiroko, então, olha para a cena diante de si. Sua menina, sua pequena Sayuri, toda de branco como uma noiva, com o que parecia um rio de sangue descendo do seu peito. Ela acertara bem no coração da pequena. A bala atravessou-lhe o peito e atingiu também a Arikawa, mas ele estava vivo. Ela grita um grito de horror mortificado pelo ato horrendo do que acabara de fazer. Matara sua filha. Tudo culpa dele. Maldito! Maldito! Maldito!
Nada mais importava para ela. A morte da filha, a dupla traição, e em horror e desespero, decide terminar o que começara. Olha para o marido, que está acariciando os cabelos ensangüentados de Sayuri, morta em seus braços, e diz:
- Agora, seu Maldito, eu terminarei o que comecei. Você termina aqui também, e sua linhagem não seguirá adiante.
Com isso, ela vai até o quarto adjacente, onde está seu caçula. Beija-o na testa. É incrível que em meio a toda gritaria e fogos ele não tenha acordado, mas quando ela o toca, ele abre os olhinhos sonolentos e pergunta se ela veio lhe dar o beijo de boa noite. Ela diz que sim. Beija-o novamente na bochecha desta vez e diz que o fará dormir para sempre. Ela chora em silencio, mas o menino não percebe e volta a fechar os olhos. No quarto ao lado, Arikawa sem acreditar, grita para que ela não toque no menino. Tarde demais. Hiroko coloca o travesseiro no rosto do pequeno e pressiona com força. O menino debate-se em vão e mesmo após as perninhas dele pararem de se mexer, ela ainda segue pressionando o travesseiro, como que para certificar-se.
Ela retorna ao quarto principal e seu marido chora como uma criança, ainda abraçado ao corpo da menina.
- O que você fez, sua louca? O que você fez? Matou nosso filho. Matou Sayuri, sua filha. – Gritou ofegante. A vista dele já estava ficando embaçada. Perdera muito sangue.
- Fiz o que tinha que ser feito. Matei uma, matei o outro também. E agora irá você.
Ela tenta disparar novamente a arma, mas esta parece estar travada. Então, pega o abridor de cartas no criado-mudo e enfia no pescoço dele com força, apunhalando-o repetidas vezes, como enlouquecida. Cansada do esforço, senta-se no chão diante do marido e filha mortos. Chora e chora e chora, até não ter mais lágrimas para si.
- Meus Deus! O que eu fiz? Que monstro sou?
Toda manchada de sangue, com o peso das mortes de seus filhos e marido nas costas, ela olha para o ventilador, que girava lentamente, apenas espalhando o cheiro nauseante de sangue fresco no ambiente. Pega uma cadeira e enrola pacientemente o lençol no ventilador. Faz um laço pensando no seu amor por Arikawa, o lençol vermelho encharcado de sangue. Ela pendura-se e, como num passo de balé, chuta a cadeira. Que bela armadilha é o amor. Sufocando, enquanto olha a cena grotesca a sua volta, seu último pensamento é: Feliz Ano Novo, meu amor! E morre.



Atenção: Esse é um conto fictício, criado somente como entretenimento. Nomes, datas, locais e fatos não são reais e qualquer semelhança com a realidade é apenas mera coincidência.

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Blog desenvolvido pelas alunas da UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SANTOS do curso de Letras: Port./Ing. - 6º semestre. Orientado pela Profa. Me. Ermelinda Maura Chezzi, na disciplina de LInguagens e Novas Tecnologias II. Alunas Responsáveis: Agnes Cássia, Fernanda Oliveira, Lucilene Amorim e Mariana Azambuja - O QUARTETO LITERÁRIO.