“O amor é um grande laço, um passo
para uma armadilha” de Djavan.
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Escolheram o Hotel Atlântico para
verem os fogos de perto, pelas comodidades oferecidas e pelo cassino que
Arikawa adorava freqüentar. Hiroko era completamente apaixonada e devotada ao
seu marido, tanto que às vezes até descuidava de seus próprios filhos por ele,
deixando-os sempre aos cuidados da babá. Adorava ver-se bela e perfumada para
ele. Era uma mulher de 35 anos, magra e muito elegante. Tinha um olhar sedutor,
olhos negros ressaltados pela maquiagem, lábios vermelhos, e seus cabelos,
também negros como a noite, estavam sempre impecáveis, sem um fio fora do
lugar. Um perfume inebriante e a langerie rendada, colar de pérolas e anéis,
uma pulseira ornamentada e um broche de pedras preso na lapela de sua blusa
branca faziam o conjunto com a saia longa, também branca e o sapato de boneca, cor
de marfim, completando assim, o quadro da mulher perfeita naquela noite.
A babá arrumara seus filhos
esmeradamente como de costume. O pequeno foi posto para dormir logo após a
janta e a menina Sayuri, de 12 anos, estava toda de branco como a mãe,
esperançosa de ver os fogos, ainda que da janela de seu quarto.
Hiroko estivera em seu quarto se
arrumando e nem percebera a ausência do marido. Estava quase na hora dos fogos
e como de costume para toda boa mãe, foi dar um beijo de boa noite para seus
filhos no quarto ao lado, antes de sair para comemorar o novo ano com o marido.
Qual não foi sua surpresa e mortificação ao ver seu marido, amor de sua vida,
beijando o pescoço de sua filha, que estava sentada no colo dele. O horror ao
perceber que Sayuri estava com seus longos, lisos e negros cabelos jogados de
lado, como que ofereçendo-se ao padrasto. Os olhos da menina semicerrados de
obscuro prazer pelo toque nada inocente de Arikawa nas pernas da garota,
subindo por debaixo da saia dela, deixaram Hiroko num misto de excitação,
repulsa e ódio pelos dois.
Tomada de fúria, ela sai do quarto
sem ao menos ter sido percebida pelos dois. Era uma mulher passional,
apaixonada, e ser traída com sua própria filha de 12 anos foi demais para ela.
Num ímpeto de ciúmes cego, pegou a arma que seu marido guardava no cofre do
quarto e entrou novamente no quarto dos filhos. O marido beijava Sayuri nos
lábios e a menina estava completamente entregue nos braços dele. Ao ouvir o
bater da porta abrindo-se com violência, o casal se separa assustados.
- Como você ousa tocar minha filha,
seu miserável – gritou Hiroko ao marido. – Logo ela, que você assumiu como sua
própria filha. E você, Sayuri, como pôde permitir-se tocar dessa forma tão
devassa. Você não passa de uma meretriz.
- Não é nada disso, mamãe. – Suplicou
Sayuri – Por favor, eu o amo, eu não sei mais o que pensar... Eu o amo demais...
Me perdoe... Por favor, me perdoe... – E desatou a chorar copiosamente.
- Hiroko, acalme-se. Largue a arma,
por favor. Ela é sua filha.
Essas palavras apenas atiçaram mais
ainda o ódio dentro dela. Sim, era sua filha, mas também era uma traidora, e
ele mais ainda, ele merecia morrer por ter tocado sua filha, por tê-la traído
duplamente. Ele merecia morrer sim. E sem pensar novamente, ela atira no peito
dele. De olhos cegos pelas lágrimas de ódio, não percebe o movimento rápido de
Sayuri, que se joga frente à arma para proteger seu amado. Neste momento
irrompem-se lá fora os fogos de Ano Novo, já é 1949.
Hiroko, então, olha para a cena diante
de si. Sua menina, sua pequena Sayuri, toda de branco como uma noiva, com o que
parecia um rio de sangue descendo do seu peito. Ela acertara bem no coração da
pequena. A bala atravessou-lhe o peito e atingiu também a Arikawa, mas ele
estava vivo. Ela grita um grito de horror mortificado pelo ato horrendo do que
acabara de fazer. Matara sua filha. Tudo culpa dele. Maldito! Maldito! Maldito!
Nada mais importava para ela. A morte
da filha, a dupla traição, e em horror e desespero, decide terminar o que
começara. Olha para o marido, que está acariciando os cabelos ensangüentados de
Sayuri, morta em seus braços, e diz:
- Agora, seu Maldito, eu terminarei o
que comecei. Você termina aqui também, e sua linhagem não seguirá adiante.
Com isso, ela vai até o quarto
adjacente, onde está seu caçula. Beija-o na testa. É incrível que em meio a
toda gritaria e fogos ele não tenha acordado, mas quando ela o toca, ele abre
os olhinhos sonolentos e pergunta se ela veio lhe dar o beijo de boa noite. Ela
diz que sim. Beija-o novamente na bochecha desta vez e diz que o fará dormir
para sempre. Ela chora em silencio, mas o menino não percebe e volta a fechar
os olhos. No quarto ao lado, Arikawa sem acreditar, grita para que ela não
toque no menino. Tarde demais. Hiroko coloca o travesseiro no rosto do pequeno
e pressiona com força. O menino debate-se em vão e mesmo após as perninhas dele
pararem de se mexer, ela ainda segue pressionando o travesseiro, como que para
certificar-se.
Ela retorna ao quarto principal e seu
marido chora como uma criança, ainda abraçado ao corpo da menina.
- O que você fez, sua louca? O que
você fez? Matou nosso filho. Matou Sayuri, sua filha. – Gritou ofegante. A
vista dele já estava ficando embaçada. Perdera muito sangue.
- Fiz o que tinha que ser feito. Matei
uma, matei o outro também. E agora irá você.
Ela tenta disparar novamente a arma,
mas esta parece estar travada. Então, pega o abridor de cartas no criado-mudo e
enfia no pescoço dele com força, apunhalando-o repetidas vezes, como
enlouquecida. Cansada do esforço, senta-se no chão diante do marido e filha
mortos. Chora e chora e chora, até não ter mais lágrimas para si.
- Meus Deus! O que eu fiz? Que monstro
sou?
Toda manchada de sangue, com o peso
das mortes de seus filhos e marido nas costas, ela olha para o ventilador, que
girava lentamente, apenas espalhando o cheiro nauseante de sangue fresco no
ambiente. Pega uma cadeira e enrola pacientemente o lençol no ventilador. Faz
um laço pensando no seu amor por Arikawa, o lençol vermelho encharcado de
sangue. Ela pendura-se e, como num passo de balé, chuta a cadeira. Que bela
armadilha é o amor. Sufocando, enquanto olha a cena grotesca a sua volta, seu último
pensamento é: Feliz Ano Novo, meu amor! E morre.
Atenção: Esse é um conto fictício, criado somente como entretenimento. Nomes, datas, locais e fatos não são reais e qualquer semelhança com a realidade é apenas mera coincidência.
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